O sistema tributário nacional pode ser caracterizado como regressivo, devido à escolha de um modelo de tributação que se concentra predominantemente sobre o consumo, por meio da possibilidade de transferência do encargo financeiro da tributação aos consumidores finais dos produtos e serviços adquiridos.
Com efeito, em muitos casos, esta tributação indireta acaba por onerar desproporcionalmente contribuintes que não possuem capacidade econômica suficiente para suportar a carga tributária, o que configura grave ofenda a um dos principais princípios que norteia o sistema tributário nacional: o princípio da capacidade contributiva.
O modelo adotado pelo Brasil se difere dos modelos adotados em outros países desenvolvidos, em que a maior parte da arrecadação provém da tributação direta, com grande incidência em bases econômicas como o patrimônio e a renda.
Logo, em um cenário em que se debatem as diversas mudanças oriundas da reforma tributária, faz-se necessário analisar de forma crítica os princípios basilares do sistema tributário brasileiro, com vistas a evoluir o modelo atual para alcançar uma efetiva justiça fiscal.
Embora as relações tributárias existam no Brasil há muito tempo, o direito tributário brasileiro ganhou maior consistência e passou a ser reconhecido pela doutrina como um ramo autônomo do direito, sobretudo, a partir da Emenda Constitucional nº 18/1965, quando foram estabelecidos parâmetros substanciais para a estruturação do sistema tributário nacional.
Faltava harmonia e organização
Do ponto de vista formal, já existia um sistema no Brasil, porém faltava organização e harmonia entre os institutos e as normas, características essenciais de um sistema. Neste contexto, a EC nº 18/1965 representou a efetiva instituição de sistema tributário, não sendo apenas uma mera reformulação.
Desta forma, com a reformulação ocorrida, o Sistema Tributário Nacional, compreendido como o conjunto das regras destinadas a regular a instituição, a cobrança, a arrecadação e a partilha de tributos, trouxe uma significativa evolução no âmbito dos institutos tributários, da tributação e da organização jurídico-normativa do direito tributário propriamente dito, o que foi posteriormente consolidado e aperfeiçoado na Constituição de 1988, que dedica um capítulo próprio à disciplina do direito tributário.
Contudo, mesmo que o sistema tributário tenha passado por mudanças e evoluções, seja na interpretação dada pelos tribunais pátrios às relações tributárias ou na forma como a tributação é fiscalizada pelo Judiciário, ele não evoluiu suficientemente a ponto de realizar, efetivamente, um dos grandes potenciais da tributação, qual seja, a redistribuição de renda e, consequentemente, a redução de desigualdades sociais por meio da concretização da capacidade contributiva dos contribuintes.
Previsto no artigo 145, §1º, da Constituição, o princípio da capacidade contributiva é corolário do princípio da isonomia. Neste sentido, a capacidade contributiva representa um parâmetro essencial para aferição da desigualdade a ser considerada para o estabelecimento de tratamento diferenciado entre os contribuintes que, pela lei, são considerados diferentes, podendo ser compreendido como verdadeira manifestação de equidade, com vistas à promoção da justiça fiscal.
Ônus tributário ao consumidor final
Ocorre que, embora o sistema tributário possua como princípio norteador a capacidade contributiva e disponha de instrumentos para sua efetivação, ele mantém como característica intrínseca a regressividade. À vista disso, dentre as bases de incidência selecionadas pelo legislador para servirem à tributação, destaca-se a tributação sobre o consumo de bens e serviços, o que possibilita que o ônus tributário seja transferido ao consumidor final.
Olhar a tributação sob esse prisma é ir além da mera análise jurídica da incidência, que se dedica a determinar o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, alcançando uma análise econômica, que busca verificar quem, de fato, suporta o ônus da tributação.
Por meio da tributação indireta, permite-se a transferência do encargo tributário para pessoa diferente daquela que integra a relação jurídico-tributária, quem efetivamente suporta o ônus econômico da tributação não é o contribuinte que realiza o fato gerador da incidência tributária, mas sim o consumidor final do produto ou serviço, que arca com toda a tributação embutida no preço ao longo da cadeia de produção e circulação do produto ou da prestação do serviço.
Decerto, será um desafio significativo alcançar uma efetiva redução da regressividade tributária, considerando que este objetivo já existe no ordenamento jurídico, mas carece de mecanismos práticos para a sua implementação, haja vista a escolha do legislador em concentrar a tributação sobre o consumo e os bens, em detrimento de bases econômicas mais progressivas, como a renda e o patrimônio.
Gestão tributária
Em verdade, ao mesmo tempo em que deseja simplificar o sistema, a reforma tributária traz maior complexidade à gestão tributária e à repartição de receitas entre os entes federados. As propostas apresentadas até o momento concentram-se na simplificação do modelo atual, mas continuam a dar protagonismo à tributação sobre o consumo, esquivando-se de corrigir as distorções mais evidentes do modelo atual.
A reflexão que se deve ter é que, para se reformar um sistema, é imprescindível fazê-lo de forma ampla e sistêmica, realizando mudanças estruturais que modifiquem a matriz tributária. Se o contribuinte continua sendo onerado nas mesmas bases, a reforma corre o risco de ser apenas uma substituição superficial, equivalente a “trocar seis por meia dúzia”.
Não há soluções fáceis, muito menos simplistas. Um país com as dimensões continentais e a diversidade do Brasil demanda um sistema tributário à altura de seus desafios, que seja capaz de equilibrar os instrumentos à disposição do Estado para perseguir os objetivos primordiais da sociedade, como a redução das desigualdades e a promoção da justiça social.
Incertezas do sistema tributário
As reflexões advindas da reforma tributária são especialmente relevantes na medida em que a sua regulamentação está sendo amplamente debatida pelo Congresso Nacional e pela sociedade.
Enquanto tributaristas se debruçam sobre as nuances do novo sistema, que está prestes a ser implementado, o cenário permanece cercado de incertezas. Nesse contexto, todas as análises devem ser conduzidas com base na razoabilidade a fim de contribuir para uma compreensão mais clara e fundamentada das mudanças propostas.
Os tributos de caráter regressivos não devem ser encarados necessariamente como “vilões”, desde que sejam equilibrados por outros instrumentos do sistema tributário, a exemplo da tributação sobre a renda e a propriedade — bases econômicas muito mais apropriadas para alcançar finalidades distributivas.
Portanto, torna-se indispensável a implementação de mudanças estruturais no sistema tributário e, neste sentido, a reforma tributária surge como uma das principais pautas nacionais, com o objetivo de simplificar o sistema e alinhá-lo às melhores práticas internacionais, buscando maior eficiência, equidade e justiça fiscal.
Fonte: Consultor Jurídico, por Janssen Murayama e Lucas Almeida dos Santos
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