Após grandes incidentes de inconsistências contábeis no Brasil, o debate sobre a responsabilidade dos controladores, administradores e auditores pelos danos causados às sociedades empresárias foi reacendido. Com o objetivo de alinhar a legislação brasileira aos padrões comerciais internacionais, o governo, apresentou á Câmara dos Deputados uma proposta de alteração das Leis nº 6.385/76 (que regula o mercado de valores mobiliários e a CVM) e nº 6.404/76 (Lei das S.A.) por meio do Projeto de Lei (PL) nº 2925/2023.
Embora tardia e motivada por eventos pragmáticos, a adesão a padrões de governança mais elevados oferece benefícios significativos. Além de conferir segurança aos investidores, sinaliza que o ambiente de negócios brasileiro resguarda os interesses dos acionistas minoritários.
Os graves eventos de erros contábeis no Brasil e seus respectivos desdobramentos quanto à responsabilização e reparação de danos, causam desconfiança generalizada nos stakeholders. No cenário brasileiro, poucos dos maiores eventos do tipo tiveram os danos causados reparados. Isso se deve, em grande parte, à legislação societária desalinhada com os padrões de países com mercados mais desenvolvidos, especialmente no que diz respeito à proteção dos acionistas minoritários. Nesse cenário, o Projeto de Lei nº 2925/2023 surge como uma esperança.
Importante ressaltar, nesse ponto, que o mercado de valores mobiliários ainda é um mundo distante para grande parte da população brasileira, em contraste com o que ocorre em países com economias mais desenvolvidas e sustentáveis. Tal distanciamento se deve a uma série de fatores, dentre eles, as altas taxas de juros, o endividamento elevado da população e do governo, a instabilidade política e a desconfiança e de boa parcela da sociedade. Portanto, o primeiro passo para atrair maior contingente para o mercado de valores mobiliários e, por consequência, promover o ambiente e a economia nacional, deve ser o esforço para a aproximação da população, tornando os investimentos acessíveis e seguros para todos os tipos de investidores.
Dentre os principais pontos do projeto, destaca-se a intenção de fortalecer a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conferindo-lhe maior poder de investigação e regulamentação. Além disso, busca-se legitimar os acionistas detentores de mais de 2,5% das ações ou ações correspondentes a mais de R$ 50 milhões do capital social, tornando mais acessível a um maior número de acionistas ingressar com ações de responsabilidade. Diante do exposto, é importante frisar que o PL assevera que a legitimidade para propor a ação surge no momento do dano, ou seja, não seria necessário que o autor ou autores sejam acionistas da companhia no momento da propositura da ação, bastando que conservassem a condição na ocasião do ato.
Outro ponto de grande interesse e que certamente será objeto de discussões é a confidencialidade do procedimento arbitral. Essa disposição reflete o entendimento de que ações de responsabilidade são do interesse dos acionistas, membros do mercado e da sociedade em geral.
No que diz respeito às novas regras aplicáveis ao procedimento arbitral, as alterações na Lei nº 6.404 buscam reforçar e complementar as alterações introduzidas pela Lei nº 6.385, criando um sistema de normas coeso e de fácil interpretação. Isso inclui regras mais claras sobre o sigilo do procedimento arbitral, estabelecendo que as decisões devem ser comunicadas e públicas. Ademais, confere à CVM a liberdade regulatória para criar e modificar as regras relativas a essa publicidade. Outra disposição importante é a necessidade de aprovação pela assembleia-geral de transações que visem encerrar ações de responsabilidade, garantindo que a reprovação por uma parcela representativa de 10% do capital social invalide a aprovação pelos demais.
Quanto ao exposto acima no campo da arbitragem, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR) emitiu nota técnica sugerindo o aprofundamento da discussão em razão da particularidade do procedimento arbitral e alterações nos respectivos artigos que tratam sobre o procedimento arbitral e sua publicidade. Um dos principais apontamentos é quanto à confidencialidade que, segundo a entidade, da forma proposta no PL, poderia resultar em publicidade de processos que não tutelem interesses coletivos e que as partes desejavam manter confidenciais.
Vale ressaltar que outra mudança relevante proposta no PL é a revisão do processo de aprovação de contas. Atualmente, a aprovação das contas exonera o administrador, a menos que seja comprovado erro, dolo, fraude ou simulação. No novo cenário, a exoneração deve ser especificamente registrada na deliberação social, eliminando a necessidade de iniciar uma ação de anulação da aprovação de contas antes de uma ação de responsabilidade. Isso acelera o processo e evita a prescrição devido à demora e, por consequência, que o dano causado não possa ser reparado.
Em resumo, fica claro que as atualizações propostas e as mudanças visam modernizar o mercado de capitais brasileiro. O PL nº 2925/2023 busca aumentar a transparência, proporcionar maior segurança aos agentes do mercado e à sociedade em geral, além de aprimorar mecanismos de fiscalização e responsabilização dos agentes que causam danos.
Apesar de protocolado em junho de 2023, ainda existe uma extensa discussão e o necessário amadurecimento de diversos pontos, desta forma, até a transformação em lei, certamente teremos um texto mais rico.
Fonte: Valor Econômico, por Lucas Monet