A legalidade é a pedra fundamental do Estado Democrático de Direito no qual se funda a República Federativa do Brasil, notadamente porque a Constituição de 1988 foi redigida num contexto pós ditatorial, de modo que buscou ser extremamente garantista, protegendo ao máximo o cidadão das arbitrariedades estatais. Nesse panorama, prescreve o seu artigo 5º, inciso II que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Em matéria tributária, o princípio da legalidade ganha contornos ainda mais estritos, na medida em que o Constituinte, com o intuito de resguardar o contribuinte, estabeleceu que os tributos só podem ser instituídos e/ou majorados com base em lei votada e aprovada pelos representantes eleitos pelo povo, nos exatos termos do inciso I do artigo 150 da CF/88.
Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal, na qualidade de guardião da Carta Constitucional, pauta suas decisões na aplicação concreta desse princípio, sobretudo no tocante às matérias tributárias, que impõe, na teoria clássica, uma observância cerrada da legalidade, muito embora atualmente já se observe tendência de mitigação de tal interpretação.
Justamente trazendo o princípio da legalidade para o centro das discussões, o STF firmou diversos precedentes recentes entendendo que a instituição e majoração dos tributos relacionados na CF/88 somente podem ser promovidos por meio de lei ordinária, e não por decreto ou qualquer outro ato de natureza infralegal.
Dentre os mais significativos, vale citar, a título exemplificativo, julgados nos quais o STF assentou a inconstitucionalidade de determinadas exigências tributárias: i) aumento da base de cálculo da contribuição social alusiva ao frete mediante portaria (RMS n.º 25.476, Pleno); ii) instituição de taxa à Suframa por meio de portaria (RE n.º 556.854, Pleno); iii) delegação por lei ao Poder Executivo para a fixação de alíquota de ICMS, ainda que estabelecidos os limites a serem observados pela lei delegada (ADI n.º 3.674, Pleno); iv) atualização da taxa conhecida como ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, instituída pela Lei n.º 6.496/1977, por ato próprio dos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (ARE n.º 748.445 RG, Pleno).
Por outro lado, o STF tem entendimento consolidado no sentido de que a mera atualização do valor de determinado tributo, com base nos índices oficiais, não representa majoração do tributo, dispensando, assim, prévia edição de lei. Nesses casos, entende-se não haver ofensa ao princípio da legalidade, como na hipótese em que a Corte Suprema decidiu ser constitucional a recomposição do montante da cobrança tributária, desde que limitada à aplicação de índices legalmente previstos (RE n.º 704.292 RG, Pleno).
Ainda seguindo esta linha, ao julgar a possibilidade de majoração do IPTU por ato do Poder Executivo, a Suprema Corte fixou o entendimento de que qualquer valor que ultrapasse os índices oficiais deve ser precedido da edição de lei em sentido formal, sob pena de inconstitucionalidade (RE n.º 648.245, Pleno). Pela mesma razão, no RE n.º 425.809 AgR, a 1ª Turma estabeleceu que a previsão de correção monetária de determinada obrigação tributária incidente entre a ocorrência do seu fato gerador e a data de seu vencimento não constitui indevida majoração de tributo.
Se, por um lado, é imprescindível lei ordinária para a imposição e majoração de tributos, por outro lado, em regra, o STF não exige lei complementar (art. 59 inciso II, da CF/88) para criar ou majorar tributos.
Não por outra razão, o STF considera incabível a exigência de lei complementar para a instituição (i) das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais (ADI n.º 4.697, Pleno); (ii) da contribuição sindical rural (ARE n.º 907.065, 1ª Turma); e (iii) da contribuição para o SAT (RE n.º 343.446, Pleno).
Nada obstante, o Supremo fixou o entendimento de que cabe à lei complementar dispor sobre prescrição e decadência em matéria tributária, julgando, deste modo, inconstitucionais os artigos 45 e 46 da Lei n.° 8.212/1991 (RE 559.943, Pleno, Súmula Vinculante n.º 8).
Recentemente, entretanto, o STF lançou mão de entendimento, de certa forma isolado, no sentido de que os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar (RE n.º 566.622 RG reconhecida, Pleno).
Evidente, portanto, que o princípio da legalidade tem papel de fundamental relevância nas decisões do STF em matéria tributária, sobretudo por causa do atual enforcamento fiscal em que vivemos, no qual as exigências fiscais são questionadas repetidamente em razão de o Poder Público há muito vir negligenciando a justiça fiscal no nosso sistema constitucional tributário, visando apenas o incremento da arrecadação pura e simplesmente.
Janssen Murayama – sócio do Murayama Advogados.
Liz Queiroz – associada do Murayama Advogados
Fonte: JOTA