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Meio ambiente: de quem é a obrigação de preservá-lo?

Por Lucas Monet

A legislação brasileira trata o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” conforme definido na Lei 6.938/81. Sendo um bem essencial para a coletividade, qualquer dano causado a esse equilíbrio deve ser reparado pelo responsável, de acordo com o sistema de responsabilidade civil. Para compreender essa responsabilidade, é necessário entender sua estrutura no Brasil, diferenciando os tipos existentes e as especificidades do contexto ambiental.

A responsabilidade civil pode ser entendida como a como a obrigação — por parte daquele que, por meio de ação ou omissão culposa ou, conforme definido em lei, independentemente de culpa, causou danos a outrem — de indenizar aquele que foi lesado, podendo ser classificada como subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva exige, além da conduta, nexo causal e o dano, a comprovação de culpa ou dolo do agente. Sem a presença simultânea desses fatores, não há obrigação de indenizar ou reparar o dano, sendo esse modelo o predominante na legislação brasileira.

Já a responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil, dispensa a necessidade de comprovação de culpa ou dolo, bastando demonstrar a ocorrência da conduta, o nexo causal e o dano. A responsabilidade civil ambiental, neste contexto portanto, é exemplo de responsabilidade objetiva, decorrente de disposição legal específica, conforme abordaremos a seguir. Embora o Direito Ambiental se baseie em princípios do Direito Civil, ele possui autonomia normativa e jurisprudência própria.

A Constituição, por meio do artigo 225, reconhece o meio ambiente equilibrado como um direito da coletividade e impõe ao poder público e à sociedade a obrigação de preservá-lo. Além disso, o §3º do referido artigo estabelece que atividades prejudiciais ao meio ambiente sujeitam os infratores a sanções administrativas e penais, sem excluir a responsabilidade civil de reparar o dano, configurando a tríplice responsabilização do poluidor.

Lei 6.938/81, Teoria do Risco Integral e súmulas

Reforçando essa proteção, a Lei 6.938/81 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e definiu conceitos fundamentais para a aplicação da legislação ambiental, dentre eles, o conceito de poluição e poluidor. A poluição é caracterizada como “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.

Já o poluidor é definido como “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Fruto de ambas as definições, com o grifo ao caráter direto ou indireto, amplia-se o escopo da responsabilização, permitindo interpretações que incluem financiadores de empreendimentos ambientalmente prejudiciais como eventuais poluidores indiretos, por exemplo. Casos como esse, obviamente, são alvo de controvérsia e ainda causam discussões, entretanto, o entendimento que prevalece atualmente é de que, ao financiar atividades que promovem degradação ambiental, essas instituições podem ser consideradas corresponsáveis quando sua conivência ou negligência fica evidente, como na continuidade de financiamentos mesmo após ciência da existência de danos ambientais decorrentes da atividade financiada.

Diferentemente da responsabilidade objetiva tradicional, pautada pela Teoria do Risco Criado, a responsabilidade civil ambiental adota a Teoria do Risco Integral, conforme pacificado pelo STJ em 2002. Diferente da Teoria do Risco Criado, que permite a aplicação de excludentes de responsabilidade, a Teoria do Risco Integral impõe a obrigação de reparar os danos ambientais sem admitir justificativas como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. que é protegido como bem essencial e direito fundamental, conforme a Constituição e pela necessidade de garantir sua preservação como um bem essencial para o bem-estar das gerações presentes e futuras.

Fruto de anos de legislação ambiental, naturalmente construiu-se jurisprudência robusta consubstanciada pela edição de súmulas e pacificação de certos entendimentos.

Algumas decisões foram transformadas em súmulas pelo STJ, consolidando entendimentos essenciais para a aplicação das normas ambientais, destacando-se a  Súmula 618 que estabelece a inversão do ônus da prova, atribuindo ao agente causador a responsabilidade de demonstrar que sua conduta não gerou o dano; Súmula 613 que impede a aplicação da Teoria do Fato Consumado em matéria ambiental, uma vez que a manutenção de situações consolidadas, mas irregulares, perpetua danos ao meio ambiente indo na contramão dos princípios da prevenção e da precaução; e Súmula 652 que consolida o entendimento de que a responsabilidade é solidária entre os agentes que causaram o dano.

Classificação dos danos e imprescritibilidade

Além da definição da responsabilidade, é importante entender a classificação dos danos ambientais, que podem ser puros (ou coletivos) e individuais (ou ricochete). O dano puro é aquele que atinge diretamente o meio ambiente como um todo, prejudicando a coletividade. Exemplos incluem o desmatamento irregular e a contaminação de cursos d’água. Já o dano individual ocorre quando um dano ambiental coletivo é aquele decorrente do dano puro que atingiu, também, direitos individuais ou até mesmo individuais homogêneos. Exemplos são os pescadores prejudicados pela poluição de curso d’água que compromete sua atividade profissional e seus meios de subsistência. Essa distinção tem implicações jurídicas relevantes, especialmente na prescrição das ações judiciais.

No Tema 999 de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a reparação de danos ambientais coletivos é imprescritível, ou seja, pode ser exigida a qualquer tempo. No entanto, a imprescritibilidade não se aplica aos danos individuais, que continuam sujeitos aos prazos convencionais de prescrição.

Conclusão

A responsabilidade civil ambiental no Brasil se destaca por sua estrutura rigorosa, baseada na responsabilidade objetiva e sustentada pela Teoria do Risco Integral. Esse sistema garante que qualquer dano ao meio ambiente deve ser reparado, independentemente da culpa do agente causador, conferindo proteção máxima ao equilíbrio ecológico e ao interesse coletivo. Além disso, a legislação continua a evoluir diante de desafios contemporâneos, especialmente nos debates sobre a responsabilidade de poluidores indiretos e o alcance da teoria do risco integral. Embora existam controvérsias quanto à aplicação desses conceitos, a tendência normativa e jurisprudencial reforça o compromisso do Brasil com a proteção ambiental como um direito fundamental.

O arcabouço legal vigente desempenha um papel essencial na preservação do meio ambiente, assegurando não apenas a reparação de danos já causados, mas também a responsabilização severa de envolvidos em atividades degradadoras, protegendo os recursos naturais para as gerações presentes e futuras.

Fonte: Conjur
Foto: Canva

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